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Falência Pessoal

nicola samori

As luzes se apagam no Beco. Com os olhos abertos mais por instinto do que por necessidade, caminho ziguezagueando em busca do início do que é minha rotina diária. Detesto ter rotina, mas diferente do que faço com meus olhos em meio a escuridão, o que eu sigo agora é a minha necessidade. Cheguei a achar um dia que viver gerava necessidades, até ansiava por elas, mas o que eu descobri vivendo nesse famigerado Beco Bêbado é que o nome disso é sobrevivência. 
Parafraseando meu querido Dom Casmurro: “vivo mal e não como bem”, foi-se o tempo em que vivia a frase real “vivo bem e não como mal”. Infelizmente ou felizmente não tenho amigos que me restam, nem os de datas mais recentes. Não posso considerar o dono do bar meu amigo pelo simples prato de comida (restos) que ele deixa todos os dias na lateral da caçamba de lixo. Não posso me iludir a tanto. 
Adoraria indicar datas, uma base mínima de tempo, mas isso é impossível em meio ao caos que se segue a vida. Parei de seguir o relógio, e consequentemente os tempos modernos. A cada dia posso contar uma história diferente de como vim parar no Beco, mas todas elas indicarão o começo do mesmo fim: minha falência pessoal.
A minha rotina de todo não é complicada, sobrevivo à noite e não suporto o dia. O que não quer dizer que eu durma durante o dia, na realidade pouco durmo. Mas para todos os efeitos eu faço isso enquanto estou deitada na minha cama arquitetada de restos nesse Beco simples. 
Assim que as luzes se apagam, sigo até meu prato de restos que será minha principal refeição do dia, depois disso o que se segue é o alinhamento de tudo o que eu ouvi enquanto estava deitada. Se o Beco fosse um corpo, eu seria os ouvidos. Enquanto suporto o dia eu ouço tudo o que se passa aqui. Com o tempo e por mania, passei a tomar gosto em observar todos esses fatos diários. Esses meu devaneios fazem parte de minha rotina de sobrevivência. Depois o que se segue e o que me segue é o destino.

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