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Por vezes, resolvemos ficar

    

    Escuto o som dos meus próprios passos ecoando pelo Beco e ele me parece o som de alguém caminhando novamente para dentro de si mesmo.

    Passei tanto tempo longe, mas a luz daqui continua com a mesma tonalidade reconfortante. Corro minhas mãos pelas paredes e sinto a textura que me abraçou nos meus dias mais terríveis.

    Cruzo com uma mulher familiar que ignora meu aceno de cabeça. A Viciada era sua alcunha, lembrei-me. Ela logo se mistura às sombras.

    Deparo-me com o telefone, do qual tantas vezes liguei soluçando para Maria, que ora se mostrava receptiva, ora nem se dava ao trabalho de atender.

    Faz realmente muito tempo.

    Entro no Bar e ele está lá, o Dono, continuando a construção diária de seu ofício e colocando nele cada partícula absorvida de nós fregueses, além dos pedaços dele mesmo que se soltam e vão junto.

    Sento-me e peço uma bebida da qual esqueço o nome logo após pedir. Paro, fecho os olhos e tento sentir a mim mesmo de volta àquele lugar depois de tanto tempo. Sinto-me um cretino egoísta maior do que qualquer outro por não ter vindo antes.

    Passei por momentos tranquilos e felizes, um período que acreditava ser de luz, mas que talvez tenha sido de dormência, em que tudo se tornou levemente mais suportável. Agora, a dor retornava lancinante e, portanto, eu retornava ao Beco. O pensamento de voltar fora tão instintivo que só agora eu fazia a conexão entre ele e o retorno da dor.

    Apertei, enraivecido, minhas mãos no balcão ao perceber que aquele era para mim um lugar de cura. Quando eu estava mal, ia até ele e ele me acolhia, passava-me a mão nas feridas e me convencia do que quer que eu quisesse convencer a mim mesmo. E então, consolado, eu partia e retornava quando precisasse novamente de alento. O Beco me curava, mas como o lugar de cura curava a si mesmo?

    A resposta era nítida. O Beco se curava através das pessoas que nele permaneciam e a ele se doavam. Para elas, o Beco era cura, mas também era casa. Essas pessoas, que estavam ali todas as vezes em que eu aparecia desesperado, mantinham o Beco de pé às custas de sua própria força. Eu era apenas um passante sanguessuga, enquanto elas eram moradoras mantenedoras.

    E por que, por que agia eu assim? Se o Mundo nunca me dera nada, mas o Beco sempre me curara, por que voltava eu para os braços do Mundo e me esquecia do Beco todas as vezes em que me sentia bem? Não havia resposta plausível, o que significava que aquilo precisava mudar. Eu precisava começar a cuidar do Beco assim como ele cuidava de mim.

    Viro minha bebida, deixo em cima do balcão o valor que ela custa, viro-me e saio do bar. Caminho em direção à saída do Beco, sempre passando minhas mãos pelas paredes.

    — Você volta logo?

    Reconheço a voz da Mendiga. Respondo.

    — Tenho que voltar. O tempo para negligência e egoísmo finalmente chegou ao fim.

    Apesar de não poder vê-la, inexplicavelmente sei que ela sorriu e assentiu.
Deixei, assim, o Beco para cuidar dos meus afazeres no Mundo. Pela primeira vez, no entanto, não saí sem ter a certeza de que voltaria, mas sim já pensando na próxima vez em que viria.

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