Alvo Invisível.
Matam-me com os olhos. Acabo de sentir um tiro certeiro daquele entregador do Cão Andaluz, ele deve ter mirado por cerca de 5 segundos, sem muita precisão ou técnica. Simplesmente parou o que estava fazendo, mirou, acertou e fim: estou morta.
O tiro de hoje mesmo sendo certeiro, não me machucou tanto quanto os outros. Não culpo o atirador, afinal ele não tem culpa. Entenda, sou um alvo invisível. Assim como existem tantos milhares de outros alvos espalhados pela cidade, estado, pelo mundo.
Atualmente sou o alvo fixo desse Beco. Todos os que circulam por aqui já me acertaram. Morri tantas vezes que adoraria ter forças para renascer por completo a cada uma delas. Confesso que caso eu tivesse um espelho, por menor que ele fosse eu também miraria e atiraria em cheio. Com gosto!
A sequência ou talvez o passo a passo de um atirador é feito pelo inconsciente dele. Ele é uma pessoa de dentro que por consequência tem a preferência de atirar nos que estão mais distantes, à margem. São tiros que com certeza nenhum jornal sinalizará no dia seguinte. Juro que uma vez presenciei um tiroteio em uma praça pública em SP, no dia seguinte corri pra frente de uma banca de jornal pra ler quais seriam as notícias, resultado: a atriz da novela das nove se separou; uma socialite estava maravilhada como sua festa havia sido linda; e o jogo de quarta deu ótimos resultados, a dúvida da manchete era saber como os torcedores estavam se sentindo próximos à final.
O que eu faço perante isso? Sobrevivo a cada dia, sobrevivo aos olhares sem responder a nenhum deles, sobrevivi ao tiroteio e por incrível que pareça não fiz questão de desviar. Talvez eu esteja em posição de alvo por querer ser um. A transitoriedade de um atirador fere mais do que cada tiro que eu recebo.
Fui uma atiradora, e a das mais frequentes! O que me preocupa é essa escola de tiros, chamada sociedade, que a cada dia constrói mais e mais pessoas capacitadas.