Intrusos
O bar tem seus intrusos.
Em meio ao grande fluxo de pessoas com seus sentimentos, bons ou ruins, aflorando, eu reparo também naqueles que mais estão escondidos, os tais intrusos. São animais que fazem parte da flora do Cão Andaluz, que caminham por ali e por aqui. Hoje, por exemplo, eu vi um rato fugindo da porta dos fundos, atravessando o bar inteiro, correndo para dentro do banheiro. Sua atitude me lembrou muito os homens e mulheres que simplesmente se acabam em bebidas das mais fortes e não aguentam, preferindo vomitar tudo o que sentem, tudo o que consumiram.
Eu também reparo nas moscas que rodeiam as mesas que se sujam com bebidas e aperitivos. Elas pousam e esfregam as patas como se estivessem se preparando para a refeição, eu quase posso ver suas línguas para fora, salivando, se elas tivessem alguma. E essas moscas param ali, aproveitando o mel do álcool, como se fossem pessoas, que estão por ali absorvendo da forma mais suculenta possível todas as minhas bebidas.
Vez ou outra um cachorro faminto aparece na minha porta, e dou um pouco dos meus restos para ele. Também alimento a mendiga, mas passo a mão na cabeça do cachorro, e é ela que passa a mão na minha cabeça. Gosto de observar os dois também, abandonados, mas ainda vivendo como devem viver. Sem muitas escolhas.
Eu entro no banheiro quando o bar fecha e tento espantar o rato. Ele se esconde atrás do vaso sanitário, guincha quando eu aponto a vassoura para ele, que corre para fora. Ele continua seguindo, apressado, em desespero, para fora do bar, pela mesma porta que entrou. Eu prefiro não matá-lo. Também é, de certa forma, um cliente. Alguém que vem até aqui e vê meu bar como um refúgio. Outro dia ele vai voltar, e eu vou ter que espantá-lo novamente. Mas não vou ousar expulsá-lo para sempre. Ele faz parte do meu bioma. De minha fauna.
E existem pessoas tão sujas quanto esse rato, se não mais, convivendo comigo, aqui, no meu bar.
E existem pessoas tão sujas quanto esse rato, se não mais, convivendo comigo, aqui, no meu bar.