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Nada se cria, nada se perde

Eu me sento nesta pilha de construções frasais e procuro pela nova metáfora.
Trago a testa franzida: eis uma verdade. Conversava sobre isso com Maria um dia desses, e aqui, sentado na mesa deste bar adjacente ao Beco que se tornara meu refúgio, constato a solidez de minhas preocupações.
Vivemos do que já existe, em vez de criar. Reciclamos ideias, comportamentos, sonhos e verdades. Nosso mundo é uma colcha de retalhos dos tantos outros que a ele antecederam. Invertemos somente a ordem dos termos. Ora verbo ante sujeito, ora adjuntos que nada acrescentam anexados a núcleos sem a centelha da vida rediviva. Nós sequer realizamos tais proezas conscientemente, o que é mais triste. Se o fizéssemos, alguma demonstração de inteligência seria ainda acrescida ao processo repetitivo em que estamos mergulhados.
Maria discorda, claro. Por que não o faria? Ela me tenta convencer de que é nessa uniformidade, da qual sempre tentamos fugir, mas para a qual sempre acabamos voltando, que jaz a beleza de existirmos. Se não gostasse tanto de seus ouvidos pacientes e seu colo infalível, teria dito a ela sem falta que se trata de uma tola incorrigível.
Afirmo isso, meus caros, porque defendo que essa capacidade aglutinógena do ser humano é o que nos amarra firmemente ao ciclo da História. Não buscamos o novo e, portanto, tornamo-nos fadados a repetir os erros que usamos para desqualificar os que nos precederam.
Estamos, desse modo, indubitavelmente perdidos.
Essas pessoas ao meu redor, nesse bar pretensioso chamado O Cão Andaluz - nome que, com certeza, também foi arrancado de algum outro lugar, ou faz referência a algo já criado - são exemplos vivos de tudo sobre o que tagarelam meus pensamentos. Andam por aí, sentam-se, pesarosos, agem como se suas preocupações, medos ou júbilos fossem, de algum modo, originais. Como se fossem seres singulares, quando não passam todos de bonecos feitos de cinzas.
Essa mulher ao meu lado: mesmo sem dizer palavra, sei que chora por amor.
O homem que está tomando conta do bar: se, em quinze minutos, ele não puxar assunto com essa mesma mulher, juro que me nascerão asas.
Ridiculamente palpável.
Mesmo este texto, que tento inutilmente montar com formalidade e sofisticação que não me agradam e nem me são características, parecerá a quaisquer dois olhos que o leiam pretensioso, descartável, reciclado. E não nego que seja.
E onde estaria, então, a chave para o novo? Como conseguiremos adentrar efetivamente o inexplorado, criar o que nunca foi antes concebido?
No momento, digníssimo par de olhos, não tenho esta resposta. Estou, de fato, procurando por ela, e é por isso que me sento nesta pilha de construções frasais e procuro pela nova metáfora.
Junte-se a mim, se lhe aprouver, e talvez, dessa forma, estejamos um pouco mais perto de encontrá-la.

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