Poesia Do Sangue
O banheiro do Cão Andaluz está cheio de
sangue de novo, pra variar. Tive que expulsar dois homens aqui que estavam
brigando. É incrível como esse tipo de coisa costuma acontecer pelo menos uma
vez na semana. Algumas vezes pode ser a bebida subindo para a cabeça, algumas
vezes podem ser drogas ou apenas desentendimento alheio. Não importa, não me
interessa. Eu tenho uma teoria para tudo isso.
De que o homem é violento naturalmente e
essa é a causa de todas as brigas e guerras no mundo. Não venha defender um ou
outro porque esse está certo e esse errado. Ambos estão certos. Brigar é
instintivo e ver o outro sangrar é delicioso.
Esses dias brigaram aqui no bar e
mancharam um dos meus bancos com o assento estufado com veludo. A mancha de
sangue é difícil de ser removida, seja do meu banco, seja da própria alma da
pessoa. O problema é que a mancha do meu banco com assento de veludo eu posso
remover jogando fubá e escovar no sentido contrário ao pelinho do veludo.
Com a alma é impossível lavar desse jeito.
Religião, caridade, pedidos de desculpas,
isso tudo não serve para apaziguar nossa vontade. Socamos o rosto alheio para
libertar nossos próprios problemas e gostamos disso. Somos violentos por
natureza, não tente oprimir esse sentimento. Talvez esse seja um dos motivos
que nos traz a infelicidade, mas não o principal, no geral.
Enfim, um soco pode ter muito mais a dizer
que mil palavras. Uma luta de boxe, por exemplo, tem muito mais poesia que toda
a obra de Carlos Drummond de Andrade. E, diferente dele e de qualquer poeta por
aí, uma luta de boxe é o tipo de poesia que qualquer um entende, não importa a
inteligência, raça, classe; é um tipo de poesia geral, para todos os humanos.
Uma luta é o que podemos chamar de Poesia
do Sangue. Afinal, a violência corre por nossas veias e entramos em júbilo ao
ver o sangue do inimigo.
Enquanto isso eu continuo lavando essa mancha
do banheiro, do meu estofado, do chão do bar. E mesmo se eu soubesse lavar o
sangue sujo da alma, eu jamais o faria. Prefiro as coisas do jeito que estão,
sinceramente.