Traz um isqueiro
Traz um isqueiro, eu peço. Mas eu não fumo, ele diz. Mas eu sim, eu comento. Você tem que parar, ele retruca. Então vou parar de te ver também, eu provoco. Ele desliga o telefone.
Mas eu não disse que não traria, ele fala parado na minha frente no beco escuro. E eu sabia que você viria, eu rimo e acho estupidamente desnecessário. Ele senta ao meu lado, me dá o isqueiro e eu acendo o cigarro, ele ri. Do que você está rindo? Eu pergunto. Eu estou encarando, mas ele não olha para mim. Ele fica sério. Você é dependente de mim. Eu não sou dependente de você. Sou pior que nicotina pra você. Eu corrigiria: você é melhor que nicotina pra mim. Mas não. Eu fiquei quieta porque não posso me entregar de bandeja, embora já esteja na bandeja com uma maçã na boca. Ou eu esteja fazendo uma bandeja como no basquete, sabe, quando você pula em direção à cesta e solta a bola pertinho do aro. Tem alguma metáfora boa nisso, alguma que não sei explicar direito. Talvez eu esteja jogando certo, talvez se entregar seja o melhor a se fazer. Mas há tanto medo.
Você faz disso tudo um drama, no meio da outra conversa longa, que se desencadeou, ele diz. E ele está certo ou está me manipulando, de qualquer forma eu concordo em silêncio e disfarço com um riso. Busca uma bebida, eu peço. Eu quero que você vá beber comigo, ele pede sem pedir. Então eu fico num silêncio como se encerrasse uma ligação. Levanto e espero que ele fique em pé também pra gente ir, porque somos assim, temos um linguajar que vem com o vento até em dia abafado e não precisamos dizer muita coisa.
Eu faço disso tudo um drama, eu me entrego depois de umas horas de rodeios, de bandeja, fazendo bandeja, marcando gosto e ponto como esporte ou degustação, como prazer. Então continuo: a música que toca aqui, a bebida que a gente vira goela abaixo, o jeito que você me olha, o timbre da sua voz, o que eu penso em responder, é tudo muito dramático para mim. Pode ser mais um dos meus vícios, mas eu gosto do fato de você fazer parte dele, você não desiste na primeira nem na vigésima cara de choro. Você sempre fica mais um pouco, termino de dizer.
Mas hoje eu tenho que ir mais cedo, ele responde em alguns minutos bem tardios. Eu pergunto o motivo, porque é o que pessoas dependentes fazem, eu penso. É que quando você diz tanta coisa para mim depois de tanto silêncio, ele vai dizendo, eu preciso de mais horas sozinho pra rever e repensar tudo, porque eu sei que em cada palavra, vírgula e pausa para respirar tem mais significado que um dicionário e um estudo aprofundado de síntese, semântica ou seja lá o que for possa definir.
Ele diz algumas coisas erradas no meio de frases bonitas e eu gosto tanto, devaneio ainda no silêncio de trocas de olhares. Assim ele levanta e vai embora. (Mais cedo pra continuar pensando em mim). Eu fico ali pensando mais um pouco nele. Eu não sou a única dependente, mando uma mensagem de texto. Podemos montar um grupo de dois, ele responde. A gente dorme sorrindo.